Josué Modesto dos Passos Subrinho
14/11/2023

A educação de jovens e adultos em foco
Imagem: Prefeitura do Município de Jahu

Recentemente duas notícias envolvendo a educação de jovens e adultos transbordou o ambiente dos estudiosos em educação e alcançou a opinião pública. A primeira, no bojo da notificação de uma mudança nas diferenças e ponderações para a distribuição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), referentes ao ano de 2024, destacava que a educação de jovens e adultos passará a ter um fator de ponderação 1,0, quando o atual é de 0,80. Não é certo que a participação da educação de jovens e adultos (EJA) crescerá, visto que outras etapas e modalidades da educação básica também tiveram aumentos em seus fatores de diferenças e ponderações. Para os leigos ficou a sensação de aumento de disponibilidade de recursos em um conjunto de fundos públicos que deverá ter aumento, inclusive por uma maior contribuição do Governo Federal, conforme a legislação vigente. [1]

A outra notícia, de caráter negativo, informava que o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) teria detectado, nos dados do Censo Escolar de 2023, um crescimento fora do normal da matrícula na modalidade EJA, registrada por municípios. Aproximadamente 500 municípios teriam declarado matrículas com indícios de irregularidades, visto que o número teria crescido muito acima do padrão nacional, chegando em alguns casos a exceder o total da matrícula no Ensino Fundamental do respectivo município. [2]

No estado de Sergipe estaria a maior proporção de municípios com esses indícios de irregularidades. Prevaleceu o bom senso de não divulgar os nomes dos municípios, antes da auditagem dos dados, visto que há organismos encarregados do controle do uso dos recursos públicos, desde os colegiados que exercem o controle social, a exemplo dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB, até os Tribunais de Contas, Ministério Público e Poder Legislativo. Entretanto, recursos dos estados, do Governo Federal e de alguns municípios que eventualmente têm retenções de transferências maiores do que recebem do FUNDEB, podem estar sendo apropriados por municípios que não têm o número de estudantes que alegam. Como o FUNDEB é redistributivo, a declaração inflada de matrículas prejudica os entes que declaram com rigor. Não havendo correção tempestiva das informações e, punição, se for cabível, mantêm-se um incentivo à burla da lei.

Antes que o(a) leitor(a) conclua que uma solução definitiva seria extinguir a educação de jovens e adultos e não premiar com maior participação relativa nos fundos de financiamento da educação básica, como parece ter sido a intenção da Comissão Interministerial de Financiamento, faz-se necessária uma explicação sobre a importância dessa modalidade de ensino.

Em termos relativos, a obrigatoriedade da educação básica é recente no Brasil. Nos últimos anos estamos nos aproximando da universalização da frequência escolar na idade entre 4 e 17 anos. Consideráveis diferenças permanecem, entretanto, entre as regiões do País, entre a zona rural e zona urbana, entre os mais pobres e os mais ricos, entre os brancos e não brancos. Para os mais pobres, os pretos e pardos, os moradores da zona rural e residentes nas regiões Norte e Nordeste a probabilidade de uma trajetória escolar permeada de reprovações e, portanto, atraso no ano-série escolar em relação à idade é muito mais elevada que a verificada entre os mais ricos, residentes na zona urbana e os brancos. Ou seja, para uns a trajetória escolar regular, para outros uma trajetória escolar sujeita a atrasos, frustrações e abandonos. É este público que pode ter uma chance, já na idade adulta, de concluir a educação básica formal com possibilidades de abrir novas perspectivas de inserção no mercado de trabalho e de exercício da cidadania. Em princípio, portanto, uma maior participação relativa da EJA em municípios do Norte e Nordeste poderia ter o mérito de compensar as gerações que não conseguiram oportunidades adequadas de escolarização na infância e adolescência.  Feita a advertência, vejamos os dados. [3]

Sergipe apresenta uma proporção de matrícula na modalidade EJA, para o ensino fundamental, ofertada pelas redes municipais, comparada com a matrícula na modalidade ensino regular consideravelmente maior que a verificada no Brasil como um todo. Entre 2019 e 2023, tanto nas redes municipais sergipanas, como nas homólogas de todo o Brasil a proporção educação de jovens adultos versus ensino regular apresentou redução. A maior proporção da matrícula na modalidade EJA pode estar justificada pela maior dificuldade dos nossos sistemas escolares em promover trajetórias regulares de aprendizagem e promoção. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), referente ao ano de 2022, por exemplo, atestam que no estado de Sergipe a taxa ajustada de frequência líquida escolar para a idade de 6 a 14 anos, no ensino fundamental, era de 95,8%, ligeiramente acima da média nacional (95,2%), colocando o estado na sétima posição entre as unidades da Federação com maior proporção de frequência líquida. Quando se observa os dados da taxa ajustada de frequência líquida escolar para a idade de 15 a 17 anos, no ensino médio, se constata 75,2% no Brasil e 67,7% em Sergipe, ficando o estado colocado em 21º. lugar entre os entes da Federação. Portanto, em tese, a maior proporção de oferta da modalidade educação de jovens e adultos pelos municípios sergipanos é compatível com uma trajetória escolar mais irregular que a média nacional e nos anos recentes observou-se, a exemplo do panorama nacional, uma redução na proporção da matrícula na citada modalidade. [4]

As notícias, entretanto, levantam a suspeição não sobre a totalidade dos municípios sergipanos, mas sobre os dados aparentemente discrepantes de 14 dos 75 municípios do estado. Vejamos, portanto, como se distribui a matrícula na modalidade educação de jovens e adultos entre as redes municipais de educação de Sergipe.

No quadro 2, organizamos a distribuição da matrícula em educação de jovens e adultos nas redes municipais pela proporção dela em relação à matrícula na mesma etapa, ensino fundamental, na modalidade ensino regular. Em 15 dos municípios sergipanos, no ano de 2022, a matrícula em EJA correspondeu a até 5% da matrícula regular, dos quais, 3 municípios não tinham matrícula em EJA. Esse primeiro conjunto de municípios, cuja participação na matrícula em EJA é menor que a média nacional, representava 5,7% da matrícula de EJA dos 75 municípios sergipanos, nos quais estavam matriculados 17,5% dos estudantes do ensino fundamental regular.

O segundo conjunto de municípios, com a matrícula em EJA se distribuindo entre 6 e 10% da matrícula regular, contempla 22 municípios, cuja matrícula em EJA representa 24,5% da matrícula na totalidade dos municípios sergipanos e 39,4% das matrículas regulares. Este conjunto está próximo da média nacional da proporção EJA/ Ensino regular (8,02%) e abaixo da proporção alcançada em Sergipe (12,33%).

O terceiro conjunto de municípios, com matrícula em EJA se distribuindo entre 11 e 15% da matrícula regular, abrange 18 municípios, os quais respondem por 24,5% das matrículas da totalidade dos municípios sergipanos e a 26,4% da matrícula no ensino regular. Essa proporção EJA / Ensino regular está no entorno da média sergipana e acima da média brasileira.

O quarto conjunto de municípios, com matrícula em EJA se distribuindo entre 16 e 20% da matrícula regular, já contempla um número de municípios, 8, cuja proporção de matrícula em EJA se distancia tanto da média nacional quanto da média estadual. Esses municípios se responsabilizam por 10% da matrícula total de EJA e 6,8% da matrícula no ensino regular dos municípios sergipanos.

Finalmente, o quinto conjunto, com matrícula em EJA representando mais de 21% das matrículas no ensino regular. Neste conjunto se encontram 12 municípios que não obstante terem apenas 10% da matrícula no ensino fundamental regular, possuíam 35,3% da matrícula na modalidade EJA. O município que apresenta a maior proporção de matrículas em EJA chega a 136% da matrícula regular, o segundo e o terceiro 87% e 86%, respectivamente. São casos que merecem checagem criteriosa.

A divulgação dos dados preliminares do Censo Escolar de 2023 permite constatar um agravamento da possível distorção da matrícula na modalidade EJA em uma parte dos municípios sergipanos. Se mantivermos o critério de separar os municípios com mais de 21% da matrícula em EJA comparada com a matrícula no ensino fundamental regular, encontraremos 15 municípios, dos quais 10 são os mesmos do conjunto de 12 municípios que se enquadravam nesse critério, nos dados do Censo Escolar de 2022. Esses 10 municípios intensificaram a distorção nos dados de matrícula em EJA, visto que no Censo de 2023, registraram uma matrícula correspondente a 39% do total da matrícula em EJA das 75 redes municipais sergipanas. Cinco novos enquadramentos de municípios na categoria mais de 21% da matrícula em EJA comparada com a matrícula regular no ensino fundamental surgiram. Esse novo conjunto de 15 municípios respondeu por 42% da matrícula na modalidade educação de jovens e adultos das redes municipais dos 75 municípios sergipanos.

A educação de jovens e adultos é uma tentativa de compensar os segmentos sociais que têm menores condições de aprendizagem, tendo trajetórias permeadas por reprovações e abandonos até a evasão. Conciliar um formato que atraia os jovens e adultos à escola provavelmente envolve oferta de possibilidades de profissionalização compatível com a demanda do mercado de trabalho. Tanto a concepção de projetos pedagógicos significativos para os estudantes quanto o financiamento de estruturas laboratoriais e de ambientes escolares coerentes com as características e interesses da faixa etária encontram limitações no padrão de financiamento vigente. A alteração recente na ponderação para fins de distribuição dos recursos do FUNDEB da modalidade EJA apontou no sentido da valorização e reconhecimento da etapa como estratégia importante para atendimento de parte significativa da população. As notícias de possíveis fraudes nos registros das matrículas na etapa, com efeitos sobre a redistribuição dos recursos do FUNDEB precisam ser esclarecidas para afastar as suspeições que foram levantadas.

[1] https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2023/outubro/comissao-de-financiamento-aumenta-recursos-para-a-educacao-basica

[2] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/11/mais-de-500-cidades-tem-suspeita-de-erros-que-podem-distorcer-divisao-de-verba-da-educacao.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

[3] “(…) Os resultados mostram que alguns grupos sociais são muito mais propensos a ter uma trajetória regular e outros a ter repetência ou a ficar fora da escola em alguns anos.” Cf. Soares, José Francisco. Alves, Maria Tereza Gonzaga. Fonseca, José Aguinaldo. Trajetórias educacionais como evidência da qualidade da educação básica brasileira. http://dx.doi.org/10.20947/S0102-3098a0167

[4] https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/17270-pnad-continua.html?edicao=36982&t=resultados

Como citar este artigo: Josué Modesto dos Passos Subrinho. A educação de jovens e adultos em foco. Saense. https://saense.com.br/2023/11/a-educacao-de-jovens-e-adultos-em-foco/. Publicado em 14 de novembro (2023).

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