Jornal da USP
05/04/2024

Fóssil marinho reforça ideia de antigo oceano no Oriente Médio
Reconstituição do elasmossaurídeo da Síria tentando capturar peixes em um cardume – Arte: Júlia d’Oliveira

Pesquisadora síria radicada no Brasil identificou, em conjunto de fósseis encontrados nas montanhas de Palmira, na Síria, o mais completo esqueleto de um elasmossaurídeo do Oriente Médio. A criatura marinha é da família dos plesiossauros, seres que habitavam os oceanos e foram extintos há 66 milhões de anos, juntamente com os dinossauros. Os resultados do estudo reforçam a tese de que, há cerca de 85 milhões de anos, a região hoje de clima seco e desértico estava submersa pelo Mar de Tétis, que separava os continentes da África e da Ásia.

Filiada ao Laboratório de Paleontologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, a paleontóloga Wafa Adel Alhalabi reside no Brasil desde 2016 e foi a responsável pela investigação do conjunto de mais de 50 vértebras articuladas descobertas por pesquisadores da Universidade de Damasco na mina de Al Sawaneh el Charquieh, cerca de 200 quilômetros da capital do país.

Com as análises realizadas, Wafa confirmou tratar-se da coluna vertebral de um elasmossaurídeo que viveu na região durante a era Mesozóica, entre 85 e 66 milhões de anos atrás. As primeiras partes do fóssil foram encontradas em 2001 e o restante do esqueleto, as vértebras e fragmentos de costela, que compreendem a parte posterior do pescoço, todo o tronco e a cauda do animal, em 2010, pelo mesmo grupo de pesquisa.

Para os cientistas, a descoberta da criatura pré-histórica, parente muito distante de cobras e lagartos, confirma o passado marinho da região e se configura inusitada, já que a presença desses fósseis na Placa Arábica não é muito comum, principalmente pela quantidade e qualidade preservada. A surpresa da comunidade científica fez com que o material fosse coletado e colocado em exibição no Estebelecimento Geral de Geologia e Recursos Minerais (GEGMRD) da Síria, em Damasco, local onde o fóssil está depositado pela ausência de um museu de história natural na região.

Além de Wafa e dos paleontólogos da USP Max Langer e Pedro Godoy, participaram da identificação dos fósseis geólogos da Síria e do Líbano e especialistas em répteis marinhos da França, Alemanha e Suécia. O artigo com todo o estudo pode ser conferido no site da Science Direct.

Exemplar mais completo preenche lacuna cronológica

O professor Max Langer, responsável pelo laboratório de paleontologia da FFCLRP, conta que as análises para classificar o animal foram feitas através de exames visuais, medições dos fragmentos e aplicação de índices de dimensões (como altura, largura e comprimento) para comparar as proporções das vértebras com outros espécimes. Segundo Langer, o material possuía características suficientes para “saber que se trata de um elasmossauro” com base apenas na análise dos traços anatômicos das vértebras.

Para a pesquisa, Wafa retornou ao seu país natal por aproximadamente três semanas, em 2022, período em que coletou todas as informações necessárias. De volta ao Brasil, Wafa e a equipe revisaram o material, possibilitando compreender como o fóssil se comparava a outros fragmentos de elasmossauros encontrados em locais como a Jordânia, Arábia Saudita, Iraque e na região desértica de Neguev. 

Apesar de existirem registros anteriores de fragmentos dessa espécie na região, os pesquisadores afirmam que o material encontrado agora se trata do exemplar mais completo. A importância do achado acabou, segundo a pesquisadora, revelando a falta de infraestrutura especializada para armazenar materiais desse porte na Síria e motivando a implementação de uma nova numeração para catalogar fósseis sírios que sejam eventualmente preservados pelo Estabelecimento Geral de Geologia e Recursos Minerais. A coluna do elasmossauro foi denominada GEGMRD 0001.

Além do impacto na catalogação dos achados paleontológicos, Wafa destaca a relevância da descoberta para o melhor entendimento da distribuição dos elasmossauros pelo planeta. Enquanto isso, o professor Langer lembra que a existência de répteis marinhos, tubarões e outros tipos de peixes já era conhecida na região, “inclusive já se conheciam elasmossauros, mas com pouquíssimo material. Agora a gente tem uma informação melhor”.

Ainda de acordo com Langer, o material, com cerca de 85 milhões de anos, não possui muitos registros contemporâneos ao redor do globo e preenche uma lacuna cronológica, mostrando também a presença desses animais naquela região durante o Cretáceo, o que melhora a compreensão do ambiente e dos habitats que existiam na região naquela época.

Plesiossauros e os elasmossaurídeos

Os elasmossaurídeos fazem parte do grupo dos plesiossauros, répteis marinhos presentes nos oceanos durante a era Mesozóica e parentes distantes dos lepidossauros, grupo que hoje inclui as serpentes e lagartos.

A abundância desses répteis atingiu seu ápice no período Jurássico e início do Cretáceo, de acordo com o professor Langer, mas sua presença começou a declinar no final do Cretáceo, chegando à extinção cerca de 66 milhões de anos atrás, na mesma época que os dinossauros.

Os elasmossaurídeos eram conhecidos pelos corpos compactos, caudas curtas e pescoços extraordinariamente longos, alguns até maiores que o restante do corpo do animal, mas com cabeças pequenas. Seguindo as características anatômicas conhecidas, o paleontólogo explica que o estilo de natação dos animais não partia da ondulação do corpo, mas sim “pelo movimento das nadadeiras”, semelhante às tartarugas-marinhas e as focas. 

Valorização das riquezas naturais do Oriente Médio

Wafa é graduada e mestre em biologia pela Universidade de Damasco. Refugiada dos conflitos da Síria, a pesquisadora viu no Brasil um dos “poucos países” que à época ofereciam visto para sírios, a oportunidade de continuar desenvolvendo pesquisas na área da paleontologia. Na USP de Ribeirão Preto, foi acolhida pelo professor Max Langer, que se tornou o orientador de seu doutorado, apresentado à FFCLRP em 2021.

Para Langer, a história da pesquisadora vai ao encontro da valorização da paleontologia no Oriente Médio. Acredita que, com o maior conhecimento dos fósseis, as comunidades locais podem ser incentivadas a proteger as riquezas naturais.

Informa o paleontólogo que a Síria não possui, por exemplo, um museu de história natural. A descoberta deve agregar valor às peças paleontológicas “porventura encontradas no futuro” e conscientizar as pessoas, como os trabalhadores de minas, sobre a importância de entregá-las às autoridades para possibilitar novos estudos.

Wafa também vê um futuro promissor na pesquisa dentro da paleontologia em seu país. “Essa e outras descobertas, nas quais estamos trabalhando, certamente atrairão a atenção dos sírios para a importância desse patrimônio”, comemora.

A pesquisa Recovering lost time in Syria: New Late Cretaceous (Coniacian-Santonian) elasmosaurid remains from the Palmyrides mountain chain, publicada na Science Direct em 2024, contou com colaboração de membros do Departamento de Biologia da FFCLRP e do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, com pesquisadores internacionais da Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Síria e Suécia. Contou também com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Fundação Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos. [1], [2]

[1] Texto de Felipe Faustino (Estagiário sob supervisão de Rita Stella)

[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/fossil-marinho-reforca-ideia-de-antigo-oceano-no-oriente-medio/

Como citar este texto: Jornal da USP. Fóssil marinho reforça ideia de antigo oceano no Oriente Médio. Texto de Felipe Faustino. Saense. https://saense.com.br/2024/04/fossil-marinho-reforca-ideia-de-antigo-oceano-no-oriente-medio/. Publicado em 05 de abril (2024).

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