UFRGS
24/01/2025

Os benefícios da prática de atividades físicas à saúde já são um consenso na comunidade científica. Uma literatura científica extensa e diversificada aponta os ganhos físicos, mentais e sociais proporcionados pelos exercícios regulares. Recentemente, pesquisas realizadas na UFRGS lançaram mais luz sobre sua relação com o funcionamento cerebral, sobretudo em idosos e em pessoas com doenças neurodegenerativas.
Uma delas, realizada por Ana Karla Oliveira Leite, demonstrou que os exercícios de força são importantes não apenas para a manutenção física e a satisfação estética. Eles também atuam sobre outros processos, como os de cognição. Um dos frutos desse trabalho foi publicado recentemente por Ana Karla e um grupo de pesquisadores, entre eles sua orientadora, Angela Wyse, na revista Neuroscience. Com o objetivo de investigar se o exercício de força agudo poderia promover a consolidação de uma memória fraca, o artigo aborda a liberação de metabólitos e miocinas que, ao chegarem ao cérebro, estimulam a ativação dos receptores relacionadas à cognição e à plasticidade sináptica.
Personal trainer especializada em idosos, Ana Karla é graduada em Educação Física. Em seu mestrado em engenharia elétrica desenvolveu um método para estudar o padrão da marcha humana em diferentes ambientes gravitacionais. Já seu doutorado teve como foco os efeitos do exercício sobre a consolidação de memórias de medo e na neurogênese hipocampal. Atualmente, ela desenvolve pesquisa de pós-doutorado na UFRGS e estuda esses efeitos sobre diferentes aspectos cognitivos.
Força e memória
Exercícios de força têm o objetivo de aumentar o vigor muscular e a resistência física do corpo. Para isso, são combinados treinos com cargas elevadas, séries mais longas e repetições baixas. Ao refletir sobre as relações entre esse tipo de atividade e a memória, Ana Karla se deparou com muitos trabalhos na literatura que relacionam a questão aeróbica com o aspecto cognitivo. Percebeu, entretanto, uma lacuna sobre o que acontece na relação com o trabalho de força. Com esse intuito, desenvolveu seu projeto de doutorado. Um dos principais motivadores de sua pesquisa é compreender o que acontece no nível celular para, futuramente, abrir novas janelas terapêuticas.
A pesquisa foi realizada em laboratório com ratos, e o protocolo escolhido para o teste foi o da consolidação de memórias de medo. O exercício de força aguda é uma sessão única para a qual o rato é preparado durante quase uma semana. Consiste em o animal subir com pesinhos na cauda uma escada de um metro de altura, com inclinação acima de 80 graus. “Nos dias anteriores, definimos as cargas do treino de força a partir de um teste, da mesma forma como se eu estivesse treinando uma pessoa na academia. O animal pode fazer até nove séries de subida, com um intervalo de dois minutos e com 8 a 12 repetições”, descreve Ana Karla. O objetivo é medir o estado de freeze, ou congelamento, relacionado à lembrança de medo.
“O exercício de força basicamente ajuda a consolidar a memória. Ele ajuda você a gravar a memória e incrementar os processos cognitivos com as miocinas liberadas pelo trabalho muscular. É também muito importante para a independência funcional de pessoas que estão envelhecendo, não apenas da musculatura e do cérebro, mas do corpo como um todo”Ana Karla Oliveira Leite
A pesquisadora ressalta que há vários protocolos para o estudo da memória, como reconhecimento social, reconhecimento de objeto e memória de extinção. “Precisávamos de um protocolo que não fosse muito extenso, por isso a opção pelo de medo condicionado ao contexto”, relata Ana Karla. “Levamos em consideração se o exercício ajudou o animal a lembrar de choques dos quais normalmente não lembraria após 24 horas. Os animais que fizeram exercício lembraram melhor“. O estudo levou em consideração a dimensão ética da pesquisa com seres vivos, respeitando o princípio dos 3 Rs (em português: redução, substituição e refinamento). Angela Wyse acrescenta que o emprego de protocolos em humanos precisa estar embasado nas pesquisas com animais, até por apontarem o tipo de perguntas a se fazer.
Envelhecimento e autonomia
Professora do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS, Angela Wyse explica que a perda de massa e função muscular, conhecida como sarcopenia, pode estar associada ao decréscimo da cognição. Ela destaca que pessoas que desenvolvem alguns tipos de demência têm uma diminuição na força muscular, principalmente nos membros inferiores. “Estudos mostram que quando o indivíduo faz exercício, seja aeróbico ou de qualquer outro tipo, produz substâncias chamadas miocinas, capazes de atuar não só no músculo, mas em outros tecidos, como o cerebral, ativando vários aspectos de memória.”
Para a pesquisadora, é fundamental ressaltar a importância do movimento, já que o sedentarismo faz com que o indivíduo perca força e massa muscular e inibe a liberação das miocinas, fundamentais no processo de memória e cognição. “A mensagem maior é esta: faça exercício físico, seja ele ioga, pilates, aeróbico, bicicleta. É importante também que as pessoas façam atividades concomitantes, ou seja, um exercício de força e caminhadas ou meditação, juntamente com alimentação adequada, porque isso se soma. E, além disso, tem a questão do bem-estar. São vários, portanto, os fatores que se somam num sentido de postergar doenças neurodegenerativas.”
“Além de as pessoas que estão envelhecendo ficarem mais independentes fisicamente, há um ganho a nível cerebral, porque aumentam a liberação de fatores neurotróficos, aumentam a neuroplasticidade e facilitam a consolidação da memória, ou seja, seu armazenamento”Angela Wyse
O impacto das atividades leves
Segundo o especialista em educação física e epidemiologia Natan Feter, um a cada 15 casos de demência poderia ser prevenido só com a adoção de hábitos saudáveis. Pós-doutorando no Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da UFRGS, Feter é um dos 30 maiores pesquisadores do mundo sobre exercício físico e demência, conforme dados da plataforma SciVal-Elsevier.
Em artigo publicado em agosto de 2024 no British Journal of Sports Medicine, Feter e colegas apontam que intervalos de atividade física leve em meio a períodos prolongados de sedentarismo (como estar sentado por oito horas) podem melhorar a função cognitiva de adultos. A pesquisa foi criada a partir de uma revisão sistemática e de meta-análise para identificar como a redução do tempo sentado ou inativo, acompanhada do aumento da atividade física, pode impactar positivamente a função cognitiva, o funcionamento neural e a estrutura cerebral.
Os resultados se baseiam em dados de indivíduos de diferentes idades, desde crianças até idosos, mostrando que a adoção de um estilo de vida mais ativo pode gerar benefícios significativos. Os autores sugerem que aumentar os níveis de atividade física de forma leve ou moderada pode melhorar funções cognitivas como memória e atenção, e alterar a estrutura cerebral, aumentando, por exemplo, o volume do hipocampo, uma área fundamental para a memória, e favorecendo a conectividade neural para o desempenho de tarefas complexas.
Conforme o estudo, apenas dois minutos são suficientes para impulsionar a função executiva, que estimula a produtividade no trabalho e a tomada de decisões. Para profissionais que passam grande parte do tempo sentados ou pacientes acamados, adotar essas pausas ativas pode ser uma abordagem simples para melhorar a concentração.
Em um mundo cada vez mais sedentário, o artigo de Feter serve como um lembrete: pequenos ajustes no estilo de vida, como caminhadas regulares, pausas ativas durante o trabalho ou a prática de exercícios, podem ter efeitos duradouros na saúde do cérebro e na qualidade de vida. A medicina já apresenta evidências de que praticar exercícios é um tratamento não farmacológico complementar eficiente em quadros de demência, doença de Parkinson e em transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Embora não tenha o poder de reverter o curso da patologia, a prática contribui para uma melhor qualidade de vida tanto para o paciente quanto para os cuidadores.
Até a década de 1950, a ciência acreditava que o corpo humano não tinha a capacidade de produzir novos neurônios: o conhecimento da época era de que as pessoas nasciam com um determinado número deles, que eram perdidos ao longo da vida. Em 1999, foi comprovado que conseguimos produzir novas células nervosas a partir de atividades físicas. Apenas com a realização de exercícios aeróbicos, há uma melhora da função circulatória e cardiovascular, além de promover melhor fluxo sanguíneo, o que favorece a oxigenação do cérebro. As práticas também geram novas células nervosas e melhoram o ambiente para as células já existentes, favorecendo também a comunicação entre elas.
Além dos benefícios ao corpo, a prática regular de atividades físicas impacta a saúde mental e cognitiva dos pacientes, especialmente aqueles que enfrentam o Alzheimer ou estão acamados. A adesão ao exercício físico não é, porém, uma tarefa simples. Feter explica que qualquer movimento que o profissional de educação física consiga realizar com o paciente acamado terá um efeito importante no tratamento. A contração muscular por si só é eficaz, apesar de não mudar o curso da doença.
Além disso, outra dificuldade para realização contínua do tratamento está nas instabilidades de humor. Essas barreiras são comuns em doenças como Alzheimer, porém, uma solução que o especialista encontrou é não forçar seus pacientes a fazerem exercícios contra sua vontade. O exercício físico, para surtir 100% do efeito medicinal, deve estar conectado com a área de lazer.
“É fundamental conhecer o paciente, conhecer as necessidades, conhecer as capacidades. Respeitar isso, acho que é primordial. E aí, com base nisso e no conhecimento técnico, devemos tentar tornar aquele paciente o mais ativo possível fisicamente”Natan Feter
Políticas públicas e prevenção de doenças neurodegenerativas
Para Feter, não é possível falar de prevenção sem combater desigualdades sociais. Na visão dele, somente a diminuição dessas diferenças permitirá avanços efetivos no tratamento de doenças neurodegenerativas.
A pesquisa comprovou que há uma necessidade de criação de estratégias de saúde pública para incentivar a prática de atividade física e a redução do sedentarismo, destacando os benefícios para o cérebro e para o bem-estar geral. Além disso, foi constatado que grupos sociais mais vulneráveis, como pessoas negras, mulheres e baixa escolaridade, têm menos oportunidades de se engajar em uma rotina de exercícios físicos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a recomendação de atividade física semanal é de 150 minutos que devem ser realizados em horários de lazer. O fator neuroprotetor que a prática esportiva traz está intimamente conectado com esse tempo de lazer, que muitas pessoas não conseguem ter por conta de rotinas extenuantes.
Também de acordo com a OMS, mais de 50 milhões de pessoas vivem com demência no mundo, e a projeção é que atinja a marca de 150 milhões em 2050. No Brasil, ao menos 1,76 milhão de pessoas com mais de 60 anos vivem com alguma demência. Esse número tende a crescer ainda mais, segundo Feter. A previsão é que se chegue a 2,78 milhões de brasileiros com demência no final desta década e a 5,5 milhões em 2050. Cerca de 50% dos casos de demência no Brasil poderiam ser prevenidos com mudanças no estilo de vida, como atividade física, alimentação e outros fatores de risco. Para que isso aconteça em larga escala, Natan salienta a necessidade de políticas públicas.
A carga econômica das demências, que já alcança cifras trilionárias mundialmente, também poderia ser diminuída com a adoção de políticas preventivas. Segundo o Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (ReNaDe), em 2019 a demência custou ao mundo US$ 1 trilhão – o equivalente a cerca de R$ 5 trilhões.
É um consenso na comunidade científica que, ao eliminar ou controlar fatores como inatividade física, obesidade, hipertensão e tabagismo, é possível reduzir em até 10% o risco de desenvolver demência. “A gente está falando de milhares de pessoas que poderiam não desenvolver essa doença. E é uma doença que tem um custo elevado, porque o índice de hospitalização é maior, o custo é maior nesses pacientes. Já está mais do que na hora de a gente pensar em como reduzir esse curso aqui no Brasil”, afirma Feter. [1], [2]
[1] Texto de Cristiane Miglioranza e Renata Rosa
[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/exercicio-fisico-em-diferentes-intensidades-e-modalidades-traz-beneficios-significativos-para-o-cerebro/
Como citar esta notícia: UFRGS. Exercício físico em diferentes intensidades e modalidades traz benefícios significativos para o cérebro. Texto de Cristiane Miglioranza e Renata Rosa. Saense. https://saense.com.br/2025/01/exercicio-fisico-em-diferentes-intensidades-e-modalidades-traz-beneficios-significativos-para-o-cerebro/. Publicado em 24 de janeiro (2025).