UFRGS
10/09/2019

O revisor assume um papel de leitor prévio, alguém que fornece a reação que o público terá ao texto – Foto: Rochele Zandavalli/UFRGS

O trabalho de conclusão de curso (TCC) de Bianca Ractz, formanda de letras da UFRGS, tem como tema a atividade do revisor de textos dentro da academia. A pesquisa de nome “Derrubando a Torre: o papel da revisão na acessibilidade de textos acadêmicos” aborda a importância de tornar a linguagem dos trabalhos acadêmicos mais acessível aos leitores e sugere como colocar essa teoria em prática. Quem lê o texto também é resultado de como ele é escrito.

A expressão “Torre de Marfim”, utilizada no título do trabalho, é um termo empregado para designar assuntos intelectuais amplamente desenvolvidos academicamente, mas que não interessam a população em geral. A expressão existe desde o século XVI na tradição judaico-cristã e é encontrada também na literatura do século XIX e presente até hoje em referências de livros e filmes. O bordão carrega uma conotação de elitismo acadêmico.

Bianca, hoje com 23 anos, atua como revisora e tradutora de textos freelancer. Durante sua graduação, trabalhou por dois anos como bolsista na gráfica da UFRGS e foi o tempo que permaneceu lá que lhe despertou o interesse pelo tema do seu TCC. Ela conta que a inacessibilidade dos textos que lia a deixava incomodada, uma vez que percebia que a linguagem utilizada não era a melhor para entender o conteúdo. “Um texto acadêmico deve ser o mais claro possível, já que faz parte do conhecimento produzido na universidade pública ser difundido para população em geral”, explica. Atualmente o trabalho do revisor de texto é focado em corrigir desvios gramaticais e seguir regras da Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT). Revisar a mensagem e avaliar se o conteúdo é compreensível não é visto como parte da função. Como expõe a estudante, “uma sintaxe correta não quer dizer que o texto esteja legível”.

No ponto de vista dela, o papel do revisor de texto é muito mais do que corrigir gramática; é uma forma de proporcionar um espaço de reflexão para quem escreve. O revisor assume um papel de leitor prévio, alguém que fornece antes da publicação a reação que o público terá ao texto. Bianca cita o viés cognitivo da “Maldição do Conhecimento”, que ocorre quando um indivíduo possui amplo domínio sobre determinado assunto, mas que, ao tentar se comunicar com outras pessoas, tem dificuldade de torná-lo simples e explicá-lo. É estar tão envolto com o próprio saber que não se consegue difundi-lo aos outros.

Um exemplo da preferência da academia por textos exageradamente rebuscados – e não necessariamente entendíveis – foi o “Caso Sokal”, de 1996. Alan Sokal, físico e professor da Universidade de Nova Iorque e da University College London, havia apresentado um artigo para a revista acadêmica de estudos culturais pós-modernos Social Text. O texto “Towards a transformative hermeneutics of quantum gravity” (Através de uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica, na tradução para o português) foi aceito e publicado, mas o trabalho afirmava que a gravidade não passa de uma construção social. O físico queria testar o rigor intelectual da revista e provar que muitas vezes a academia perde o foco do conteúdo para a linguagem elaborada demais. No dia da publicação do artigo, Sokal revelou que era tudo uma experiência – e que se confirmou mais do que o esperado.

Um trabalho acadêmico é como um livro: só se comunica com o público e exerce sua função de instruir a sociedade quando é lido e – principalmente – entendido pelo público. Conforme afirma o professor Luiz Cláudio Martino, da disciplina de Teorias e Epistemologia da Comunicação da Universidade de Brasília, no livro “Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências”, a atividade do leitor é imprescindível para a informação virar comunicação. E, para que isso ocorra, o enunciado precisa ser acessível a todos os leitores.

Como sugestão para uma revisão de textos mais acessível, Bianca menciona noções da área de Design e de Terminologia, as quais buscam distanciar-se da revisão estritamente gramatical. Ela propõe que os revisores levem em consideração a escolha dos elementos visuais utilizados, como a fonte das letras. É preciso atentar-se que diferentes fontes servem para diferentes formatos e que o texto impresso difere do digital, por exemplo. Também é importante hierarquizar adequadamente as informações. Usar escalas, linhas ou sinalizar partes que merecem mais destaque ajudam o leitor a se localizar melhor na página.

Segundo uma pesquisa realizada em 2018 pelo Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf), 3 em cada 10 brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, têm dificuldade para ler e interpretar textos. Se uma grande parcela da população brasileira não é capaz de fazer reflexões profundas sobre o texto, não conseguirá compreender os níveis altíssimos de complexidade acadêmica. A escrita é, por vezes, mais uma manifestação do problema de a universidade ser mais elitista do que democrática.

Bianca pretende dar continuidade aos estudos dentro do tema por meio de um mestrado no próximo ano. Ela conta como vê a acessibilidade dos textos acadêmicos como um assunto ainda pouco explorado, mas com muito potencial de análise. E, além de tudo, é uma questão de interesse fundamental dentro da universidade.

Trabalho de Conclusão de Curso

Título: Derrubando a torre: o papel da revisão na acessibilidade de textos acadêmicos
Autora: 
Bianca Segatt Ractz
Orientadora: Magali Lopes Endruweit
Unidade: 
Instituto de Letras. [1]

[1] Esta notícia científica foi escrita por Mariana Bier.

Como citar esta notícia científica: UFRGS. Ciência para quem? Texto de Mariana Bier. Saense. https://saense.com.br/2019/09/ciencia-para-quem/. Publicado em 10 de setembro (2019).

Notícias científicas da UFRGS Home