LNLS
13/12/2019
Uma galáxia é um sistema gravitacionalmente coeso, formado por estrelas, gases – principalmente hidrogênio e hélio – e, em menor quantidade, os outros elementos químicos mais pesados. Estima-se que o universo visível abrigue trilhões de galáxias e que cada galáxia contenha desde algumas centenas de milhões (108108) a cem trilhões (10141014) de estrelas. A galáxia onde estamos localizados é chamada de Via Láctea e nosso Sol orbita o centro galáctico a uma distância de 27 mil anos-luz (um ano-luz é a distância que a luz percorre em um ano, aproximadamente 10 trilhões de quilômetros).
Evidências observacionais sugerem que o centro de quase todas as grandes galáxias, inclusive a Via Láctea, é constituído por buracos negros supermassivos, com massas de milhões ou até bilhões de vezes maiores que a do nosso Sol. Uma porção dessas galáxias, em especial, apresenta luminosidade em algumas faixas do espectro eletromagnético – desde as ondas de rádio até raios gama – incompatível com o que seria produzido apenas por suas estrelas. Elas possuem o que é chamado de um núcleo galáctico ativo (AGN, na sigla em inglês). Esses núcleos ativos estão entre as maiores fontes de energia do universo.
Os AGNs possuem propriedades observacionais variadas, mas que podem ser descritas por um modelo unificado. Este modelo é constituído por um buraco negro supermassivo, circundado por um disco de acreção, e, à uma distância maior, por uma espessa nuvem de gás e poeira distribuídos em um formato toroidal (semelhante a uma rosquinha). À medida que a matéria circundante do disco de acreção cai em direção ao buraco negro, o material é aquecido e irradia fótons em diversas faixas do espectro eletromagnético, especialmente em raios X. Estima-se que essa região emissora tenha um diâmetro na escala de décimos de um ano-luz. A matéria contida no torus, por sua vez, obscurece a luminosidade do AGN, que é apenas visualizado dependendo de sua orientação em relação à Terra. Pelas observações, é possível inferir que nas proximidades do AGN, o gás é completamente ionizado devido à interação com os raios X, enquanto o torus teria uma opacidade suficiente para absorver parte da luminosidade do AGN e permitir a sobrevivência de moléculas em regiões mais externas, onde se formam grandes nuvens moleculares.
De fato, nuvens moleculares são observadas a distâncias menores que 100 anos-luz do AGN. Essas nuvens são constituídas por moléculas tão simples quanto monóxido de carbono (CO) até grandes hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), os precursores do grafeno. Estima-se que os HAPs sejam um dos principais reservatórios de carbono do universo, além das nuvens de monóxido de carbono (COCO). Por conta da ligação química aromática típica desses compostos, os HAPs são também moléculas extremamente estáveis e resistentes à degradação, inclusive por radiação ultravioleta. Devido a essa estabilidade, são observados nos ambientes astrofísicos mais diversos, tanto na Via Láctea quanto em outras galáxias, incluindo a vizinhança ao redor de AGNs.
Ao sofrerem colisões ou interagirem com a luz, moléculas são estimuladas e respondem reemitindo essa energia na forma de radiação eletromagnética nas faixas do infravermelho e das ondas de rádio. Essa emissão é muito específica de cada tipo de molécula, como uma impressão digital indicando sua presença. Com isso, é possível estimar a quantidade de determinadas moléculas no espaço, mesmo em regiões muito distantes, através de telescópios na superfície e na órbita da Terra.
A investigação de como HAPs se formam e se degradam sob diversas condições em ambientes astrofísicos permite não só entender a formação de moléculas orgânicas nesses ambientes extremos. Ela pode também auxiliar na compreensão de como a matéria orgânica se distribui no universo, assim como seu papel na formação de sistemas planetários, inclusive de nosso Sistema Solar, já que estima-se que 80% do material orgânico em meteoritos se encontra na forma de HAPs.
Nesse contexto, Thiago Monfredini e colaboradores, examinaram experimentalmente a interação de HAPs com raios X para estimar a fragmentação dessas moléculas e a produção de novos íons moleculares nas proximidades de AGNs. Os pesquisadores utilizaram as linhas de luz SGM e SXS do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para verificar os graus de ionização e destruição molecular resultantes da interação de HAPs com raios X.
O grupo determinou que a opacidade óptica estimada para os atuais modelos de torus de AGNs é insuficiente para explicar a presença daquelas moléculas nessas regiões. Apesar de HAPs serem moléculas bastante estáveis, elas seriam facilmente fragmentadas pelos raios X do AGN, mesmo considerando os limites superiores estabelecidos pelos modelos de opacidade dos torus.
Supondo que as estimativas observacionais de opacidade estejam corretas, os pesquisadores argumentam que são necessários estudos mais detalhados sobre processos de formação molecular que sejam mais eficientes e que possam explicar a abundância de HAPs nas proximidades de AGNs e em outras regiões astrofísicas.
O trabalho foi publicado na Montly Notices of the Royal Astronomical Society, um dos principais periódicos astronômicos do mundo. A pesquisa teve coordenação da Profa. Dra. Heloísa M. Boechat-Roberty da Universidade Federal do Rio de Janeiro. [1]
[1] Fonte: Thiago Monfredini, Heidy M. Quitián-Lara, Felipe Fantuzzi, Wania Wolff, Edgar Mendoza, Alexsandre F. Lago, Dinalva A. Sales, Miriani G. Pastoriza, Heloisa M. Boechat-Roberty, Destruction and multiple ionization of PAHs by X-rays in circumnuclear regions of AGNs, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Volume 488, Issue 1, September 2019, Pages 451–469. DOI: 10.1093/mnras/stz1021.
Como citar esta notícia científica: LNLS. Fábricas galáticas de compostos orgânicos. Saense. https://saense.com.br/2019/12/fabricas-galaticas-de-compostos-organicos/. Publicado em 13 de dezembro (2019).