UnB
09/04/2020

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Isaac Roitman

Covid-19 é um vírus RNA (ácido ribonucleico) com alta capacidade de mutação e transmissão. Os vírus são seres muito simples e pequenos (medem menos de 0,2 µm), podem ser observados somente através da microscopia eletrônica e são formados basicamente por uma cápsula proteica envolvendo o material genético. Os vírus só se desenvolvem parasitando uma célula utilizando o sistema de reprodução de seu hospedeiro.

Recentemente, a epidemia provocada pela Covid-19, que se iniciou na China, transformou-se em pandemia que está se espalhando com grande velocidade em todos os continentes, modificando hábitos e comportamentos, provocando pânicos econômicos, abalando as estruturas sociais que provavelmente terão a duração de alguns meses. O planeta está em alerta. Certamente, com medidas adequadas – isolamento social – e os avanços científicos – vacinas – voltaremos à normalidade.

Vale a pena assinalar que um ser extremamente simples, um vírus, pode provocar tremendas consequências à espécie mais complexa da natureza, o ser humano. Sob o ponto de vista biológico, esses extremos têm interações profundas, revelando as interdependências absolutamente importantes e vitais na natureza. Não é a primeira vez que uma pandemia provoca uma inflexão nos costumes da humanidade. Esses registros podem ser conhecidos na obra de Stefan Cunha Ujvari: A história da humanidade contada pelos vírus (Editora Contexto).

A Covid-19 surge em um momento difícil e preocupante para a civilização humana. O cenário é triste. Boa parte dos seres humanos vivem em condições miseráveis, um contingente enorme de desnutridos, desigualdades sociais vergonhosas, prevenção e assistência à saúde inadequadas, migrantes tratados como animais, guerras abomináveis, culturas ancestrais em extinção, atitudes sem ética, violência desenfreada, uso não racional dos recursos naturais, poluição crescente, aceleração das mudanças climáticas etc.

Sem diminuir a importância das ações e as consequências da pandemia provocada pela Covid-19, gostaria de compartilhar algumas reflexões com os leitores. Sendo o índice de mortalidade maior nas pessoas com mais idade, as políticas públicas para a velhice voltaram à tona. Que bom.

O isolamento social, que estamos iniciando e que será longo, certamente proporcionará momentos ímpares para a reflexão familiar e individual. A ausência em reuniões sociais, em eventos culturais, esportivos e outros serão substituídos por momentos de reflexão sobre o passado, o presente e o futuro de cada um de nós e de todos. Será um verdadeiro retiro. Essas reflexões poderão indicar como podemos nos transformar e agir para que todos possamos ter uma vida virtuosa.

A interrupção das atividades escolares, sem dúvida, causará atrasos na aprendizagem, que poderão ser recuperados posteriormente. No entanto, para aquelas crianças cuja refeição na escola é a mais importante do dia, o dano será imediato. A iniciativa de ser fornecido diariamente um kit de alimentação para essa criança é uma proposta positiva. Quem sabe, poder-se-ia pensar em fornecer um kit alimentação para toda a família.

Uma ação semelhante poderia ser pensada aos trabalhadores que obrigatoriamente serão afastados e ficarão isolados durante a crise. As camadas sociais mais vulneráveis serão atingidas. Que bom se começarmos a pensar e introduzir ações para minimizar o sofrimento dos que tem menos. Essa cultura humanitária poderia persistir após a crise.

Hoje tomei conhecimento que jovens no Brasil e no exterior se dispõem de forma espontânea a auxiliar as pessoas com mais idade a fazerem compras em um supermercado ou farmácia. Que beleza. Isso demonstra quanta bondade e solidariedade existem escondidas nos seres humanos.

Assisti a um vídeo, gravado na Itália, onde as pessoas nas janelas ou nas varandas cantam juntos. Essas pessoas, provavelmente, devido à correria desenfreada na cultura ocidental, mal se cumprimentavam. O isolamento social construindo pontes sociais. Que maravilha.

Sem ter a mínima vocação de ser profético, existe uma real possibilidade de termos uma inflexão positiva nas relações humanas provocadas pela Covid-19. Apesar da dor e do sofrimento de muitos, aprenderemos muito com a pandemia que atravessamos. Quando essa tempestade terminar teremos a perspectiva de um mundo melhor e mais justo. Oxalá. [2]

[1] Imagem de Mariana Anatoneag por Pixabay.

[2] Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro (n.Futuros/CEAM/UnB), membro tiular de Academia Brasileira de Ciências. Ex-decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, ex-diretor de Avaliação da CAPES, ex-coordenador do Grupo de Trabalho de Educação, da SBPC, ex-sub-secretário de Políticas para Crianças do GDF. Autor, em parceria com Mozart Neves Ramos, do livro A urgência da Educação.

Como citar este artigo: UnB. Lições da Covid-19: solidariedade escondida nos seres humanos. Texto de Isaac Roitman. Saense. https://saense.com.br/2020/04/licoes-da-covid-19-solidariedade-escondida-nos-seres-humanos/. Publicado em 09 de abril (2020).