Marcelo M. Guimarães
24/07/2016

Impressão artística de um exoplaneta com atmosfera transitando na frente da sua estrela. Quando observamos a luz da estrela no momento que ocorre o trânsito podemos detectar as assinaturas espectrais da atmosfera do exoplaneta.
Impressão artística de um exoplaneta com atmosfera transitando na frente da sua estrela. Quando observamos a luz da estrela no momento que ocorre o trânsito podemos detectar as assinaturas espectrais da atmosfera do exoplaneta. [1]
A invenção de calculadoras e posteriormente de computadores impulsionou a ciência em direções impensáveis. Cálculos que na época do papel e lápis poderiam levar horas, agora são feitos em microssegundos por um celular. Cálculos que antes eram inimagináveis, agora são feitos em grandes computadores. As previsões climáticas estão cada vez mais precisas, graças ao uso de supercomputadores cada vez mais velozes.

Agora imagine o desafio de tentar calcular a abundância de elementos químicos na atmosfera de um exoplaneta que esteja a dezenas, centenas ou até milhares de anos-luz de distância da Terra. A físico-química da atmosfera de planetas é muito complicada. Vejamos um exemplo: se a temperatura for alta, teremos a maior parte do carbono atmosférico na forma de monóxido de carbono (CO), mas se a temperatura for baixa o carbono estará aprisionado na forma de metano (CH4). Determinar a composição química de estrelas é relativamente simples, tendo em vista que os elementos se encontram na forma atómica, cujo espectro é mais facilmente identificável. Mas determinar a composição química da atmosfera de planetas se torna um desafio porque passamos a lidar com moléculas, cujos espectros de emissão e absorção se tornam muito mais complicados. Ainda bem que temos computadores para nos ajudar nessa árdua tarefa de resolver inúmeras equações diferenciais não-lineares acopladas, certo?

Imagine a surpresa da comunidade científica quando o Dr. Kevin Heng, da Universidade de Berna na Suíça, mostrou que tudo fica mais fácil e rápido se feito na ponta do lápis.

Depois de fundamentar sua descoberta com 2 artigos em 2014 [2,3], Dr. Heng acaba de ter um terceiro artigo aceito para publicação no The Astrophysical Journal Supplement Series [4], onde ele mostra que antes de tentar solucionar várias equações diferenciais não-lineares acopladas no computador, o melhor é resolver 99% do problema no papel, transformando o problema em uma única equação polinomial. O computador é usado em seguida, realizando em alguns milissegundos o que antes levava muitos minutos.

Nas palavras do Dr. Heng: “Agora é fácil para qualquer astrônomo ao redor do mundo calcular a química atmosférica em exoplanetas. Não é mais necessário a implementação de um código computacional sofisticado.” É um ótimo exemplo de democracia científica, pois já começaram a aparecer os primeiros códigos abertos de transferência radiativa para atmosfera de exoplanetas, baseados nos trabalhos do Dr. Heng.

[1] Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech.

[2] K Heng and  J Workman. Analytical Models of Exoplanetary Atmospheres. I. Atmospheric Dynamics via the Shallow Water System. The Astrophysical Journal Supplement Series 213, 27 (2014).

[3] K Heng et al. Analytical Models of Exoplanetary Atmospheres. II. Radiative Transfer via the Two-Stream Approximation. The Astrophysical Journal Supplement Series 215, 4 (2014).

[4] K Heng and S-M Tsai. Analytical Models Of Exoplanetary Atmospheres. III. Gaseous C-H-O-N Chemistry with 9 Molecules. The Astrophysical Journal 829, 104 (2016).

Como citar este artigo: Marcelo M. Guimarães. Atmosfera de um exoplaneta na ponta do lápis. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/07/atmosfera-de-um-exoplaneta-na-ponta-do-lapis/. Publicado em 24 de julho (2017).

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