Jornal da USP
14/07/2022
Por Paulo Antônio de Almeida Sinisgalli, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, e Tássia Oliveira Biazon, pesquisadora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano
A Terra é muito diversa. Esta diversidade, que inclui regiões terrestres ou aquáticas, é formada a partir da relação entre as variadas formas de vida e o ambiente onde vivem. Muitas vezes não é possível distinguir quem influencia quem, mas as interações entre ambos – meio físico e biótico – formam o que chamamos de ecossistema.
Os ambientes marinhos e costeiros contêm diferentes ecossistemas, como praias, restingas, lagunas, marismas, costões rochosos, estuários, manguezais, banco de gramas marinhas, recifes de coral, bancos de rodolitos, recifes de profundidade, ambientes abissais, ilhas oceânicas e montes submarinos. Cada um desses ecossistemas nos oferece diferentes benefícios. Dentre aqueles com os quais interagimos diretamente temos sensações variadas — do frescor da água batendo no corpo e do saboroso peixe fresco, até as brincadeiras na praia.
O nosso bem-estar está diretamente associado aos serviços ecossistêmicos, que são os benefícios que o ambiente nos proporciona. Mas esse conceito vai muito além disso. Nos últimos anos, houve um aumento de estudos sobre o tema – passo essencial para aumentar o entendimento sobre o papel do ambiente para a sociedade, ou seja, o quanto a natureza gera benefícios, os quais podem ser traduzidos em valores econômicos, sociais e ecológicos. Com relação aos ambientes costeiros, que são caracterizados pela interação entre o continente e o mar e por abrigarem mosaicos de ecossistemas de alta relevância ecológica, esse entendimento é ainda mais relevante.
Assim, diferentes iniciativas como a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, a Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e a Classificação Internacional Comum de Serviços Ecossistêmicos, conhecida como Cices, trouxeram reflexões e bases teóricas para avançarmos nesse conhecimento.
A classificação sobre serviços ecossistêmicos mais utilizada é a da Cices, que os define como “as contribuições que os ecossistemas fazem para o bem-estar humano”. A Cices também classifica os serviços ecossistêmicos marinhos em três categorias principais: i) provisão, ii) regulação e manutenção, e iii) cultural. Em um levantamento sistemático realizado pelo pesquisador Carmino Liquete e colaboradores em 2013, foram identificados 14 serviços ecossistêmicos costeiros e marinhos: provisão de alimento, provisão e armazenamento de água, provisão de material biótico e biocombustível, purificação da água, regulação da qualidade do ar, proteção costeira, regulação climática, nutrição do oceano, manutenção do ciclo de vida, regulação biológica, valores estéticos e simbólicos, recreação e turismo, e efeitos cognitivos.
Os serviços de provisão podem ser relacionados a três aspectos. O primeiro é quanto à provisão de alimentos, ou seja, por meio de atividades de pesca e aquicultura, que é o cultivo de organismos aquáticos, como peixes, crustáceos, moluscos e algas marinhas. Outro tipo de provisão é o armazenamento e abastecimento de água. Ou seja, extração de água em ambientes marinhos e costeiros que, a partir do processo de dessalinização, permite produzir água para o abastecimento de cidades ou mesmo para irrigar plantações. Ainda, há casos de usos da água marinha para o resfriamento industrial, como ocorre na usina nuclear situada em Angra dos Reis no Estado do Rio de Janeiro. Outro serviço de provisão é relacionado a materiais bióticos, que podem ser utilizados na produção de medicamentos e cosméticos, além de biocombustíveis a partir da biomassa de algas. Esse serviço também inclui petróleo e gás natural.
É importante destacar os serviços de regulação e manutenção, que incorporam muitos aspectos diferentes, como purificação da água, regulação da qualidade do ar, proteção costeira, regulação climática e regulação biológica. O esgoto que chega ao mar é decomposto e transformado em nutrientes para as algas, por exemplo. Entretanto, existe um limite para que a matéria orgânica proveniente do esgoto seja processada e não cause impactos no ambiente marinho. Ainda neste aspecto, o manguezal possui diversas funções ecossistêmicas, que geram serviços, entre elas a de proteção da costa, reduzindo o impacto da erosão costeira e de inundações. Em tempo de mudanças climáticas e de cenários futuros de elevação do nível do mar, a atuação dessas regiões é muito importante.
Ainda no contexto da regulação e manutenção, um outro aspecto relevante é o da regulação climática exercida pelo oceano. Há uma troca importante de gases entre a atmosfera e o oceano. Parte do gás carbônico atmosférico é dissolvida no oceano, contribuindo com a fotossíntese. Esse gás carbônico é emitido, dentre outras fontes, pela queima de combustíveis fósseis. Entretanto, com o aumento da temperatura da água do mar, uma menor quantidade de CO2 fica dissolvida na água, alterando esse balanço e comprometendo a capacidade do oceano em regular o efeito-estufa. Além disso, o gás carbônico dissolvido no oceano acidifica o meio, alterando o pH da água, o que compromete o crescimento de corais, importantes locais de abrigo e reprodução da biota marinha. O oceano tem um papel central no ciclo da água e na regulação das chuvas, produzindo a água que escoa pelos rios e retorna ao mar levando nutrientes e sedimento que alimenta as praias.
Quanto aos serviços culturais, estes incluem valores simbólicos e estéticos, recreação e turismo e efeitos cognitivos. A simbologia do oceano representa fortes laços com a humanidade. O turismo em ambientes costeiros e marinhos desperta o interesse de muitos, favorecendo o relaxamento e diversão, como mergulhar ou velejar. Os efeitos cognitivos servem como inspiração para utilizar elementos do mar ou da própria paisagem para, por exemplo, educação ambiental, arte, arquitetura e artesanato.
Embora haja tantos benefícios ecossistêmicos marinhos e costeiros, de forma silenciosa e menos perceptível, dia após dia, muitos estão colapsando. Há várias razões para isso, como a poluição pelo esgoto das cidades litorâneas e efluentes industriais; a contaminação por plásticos; a destruição de manguezais e restingas; a invasão de espécies exóticas; a sobrepesca; e o aumento do nível do mar e da acidificação da água do mar.
Sabe-se da necessidade de ampliar o conhecimento dos serviços ecossistêmicos costeiros e marinhos. Entretanto, o conhecimento atual sobre eles é suficiente para mostrar sua importância para o bem-estar humano e para a manutenção da homeostase planetária. É relevante que esse tema seja mais amplamente divulgado para auxiliar a produzir a mudança necessária e urgente para a promoção do desenvolvimento sustentável. Existe, ainda, uma janela de oportunidade para a manutenção de várias espécies no planeta, incluindo a humana. Mas é importante lembrar que esta janela está se fechando cada vez mais rápido. [2]
[1] Imagem: Michelle_Raponi / Pixabay.
[2] Texto de Paulo Antônio de Almeida Sinisgalli e Tássia Oliveira Biazon.
Como citar este texto: Jornal da USP. Os benefícios do oceano para a sociedade ainda são pouco conhecidos. Texto de Paulo Antônio de Almeida Sinisgalli e Tássia Oliveira Biazon. Saense. https://saense.com.br/2022/07/os-beneficios-do-oceano-para-a-sociedade-ainda-sao-pouco-conhecidos/. Publicado em 14 de julho (2022).