UFPR
28/07/2023

“Etnomusicologia não serve apenas à música europeia, contempla a diversidade étnica” | Edwin Pitre-Vásquez
Panamenho de nascimento, Pitre-Vásquez mora há 45 anos no Brasil e é o tipo de orientador que se abre para novos objetos de pesquisa em música: “Se eu acho que posso ajudar o pesquisador, digo ‘vamos’”. Foto: Acervo Pessoal

Se a etnomusicologia é a antropologia da música, a etnomusicologia dialógica é uma abordagem que amplia a transdisciplinaridade desse tipo de pesquisa. Assim, além do uso dos métodos tradicionais da antropologia para investigar a cultura no contexto das manifestações musicais, pode-se adotar os da estatística, da economia, da sociologia, da psicologia, entre outras áreas do conhecimento. É por essa linha que o Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem se destacado nos estudos sobre músicas folclóricas e populares.

Um exemplo é estudo que sugere que a prática do fandango — cuja história indica ter sido um tipo musical mais plural do que se pensa — pode ter desaparecido em Antonina (PR) com esse nome, mas permanece como herança na música caiçara da região. Outro é a pesquisa sobre as alterações regionais sobre o Taiko, a música feita com instrumentos japoneses de percussão.

Essa linha de pesquisa foi iniciada em 2010 na UFPR pelo professor e pesquisador Edwin Pitre-Vásquez, que coordena o Grupo de Pesquisa e Laboratório em Etnomusicologia (Grupetno). Músico e produtor musical nascido no Panamá, mas há 45 anos no Brasil — e ainda com muito sotaque —, Pitre-Vásquez conhece as agruras do músico latino-americano, faça ele música comercial ou folclórica.

“O problema das políticas públicas para música começa porque não existe a profissão de música no Brasil”, afirma, com a propriedade de quem foi membro da banda de salsa Son Caribe, que inaugurou o Circo Voador, no Rio, em 1982.

Em sua conferência na 75ª Reunião Anual da SBPC, na quarta-feira (26), em Curitiba, Pitre-Vásquez falou sobre a etnomusicologia dialógica, tema também desta entrevista, onde tratamos também do caminho do maestro pela música.

Em que ano e como foi a sua mudança para Curitiba e quando se deu o seu envolvimento com a música folclórica das diversas etnias com representatividade na cidade? Como essa experiência impactou na sua pesquisa? Foi daí que surgiu a ideia de etnomusicologia ou a área fazia parte já do seu repertório de pesquisador?

Eu estudei regência de orquestra [graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1983], fiz mestrado e doutorado na USP e pós-doutorado na Universidade Nacional Autônoma do México, a Unam. Com a etnomusicologia, tenho estudado a música em diferentes tempos e espaços. Pode ser música católica, candomblé, rock. 

Entendo que etnomusicologia não serve apenas à música europeia, mas contempla a diversidade étnica.

Em 2010, quando prestei concurso para professor na UFPR, essa experiência foi meu diferencial. O Paraná é um estado com um território guarani, migrantes poloneses, ucranianos e italianos, também argentinos, chilenos e bolivianos. Agora temos os venezuelanos. Você tromba com pessoas diferentes na rua, no trabalho.

O senhor entende que o Brasil é fechado à cultura latino-americana, incluindo a música?

Sim, existe esse Tratado de Tordesilhas. Uma linha reta, com o litoral brasileiro para Portugal e o interior do Brasil profundo para a Espanha. Ainda vemos uma coisa que tem a ver com um tratado retardado, uma sombra no Brasil. 

Ao mesmo tempo, quando vou ao Nordeste brasileiro, por exemplo, vejo uma diversidade musical que não chega ao Sul. Estudo isso e meus alunos procuram estabelecer um melhor aproveitamento dessa riqueza musical. O Brasil é uma potência musical, que me surpreende desde que fiz minha primeira pesquisa, com música afro-brasileira e afro-caribenha. 

Mas, sim, existe um posicionamento [do Brasil] de dar as costas para a América hispânica. Dos anos 1930 aos 1950, se tocava muita música latina no Brasil. Bolero, chá-chá-chá, salsa. Pergunte a alguém com mais de 60 anos.

Depois da [campanha contra a] “Cuba comunista”, porém, creio que toda a música latina pagou o pato.

O que é etnomusicologia e como esses estudos podem ser usados na elaboração de políticas públicas e no aumento do conhecimento sobre manifestações culturais brasileiras?

A etnomusicologia dialógica tem uma base em diálogo, em transdisciplinaridade. A música é pensada em três aspectos. Primeiro, a espacialidade, onde é feita. Depois a temporalidade, quando é feita. E, por último, a intencionalidade. A música vem de dentro de um ser humano para outro ser humano. 

Em relação às políticas públicas, o problema começa porque a profissão de músico no Brasil não existe. Quando cheguei ao Brasil, no Rio, tive que me associar à Ordem de Mùsicos do Brasil, mas não fazia muita diferença. O mesmo aconteceu em São Paulo e em Curitiba. É um problema que é impulsionado pela indústria. 

Os músicos poderiam ser mais valorizados no Brasil. Porque gênios o país tem. Penso em viabilizar um título de doutor honoris causa da UFPR para o arranjador Waltel Branco, que é de Curitiba. 

Perdemos recentemente o João Donato, que está no nível de um Tom Jobim. Foi meu maestro. Morou no México e fez muita música latina. Um cara que nasceu no Acre.

Muitos falam de uma padronização musical no Brasil devido à força econômica de alguns grupos musicais comerciais, como o sertanejo, que invadiu diversas festas populares onde antes se tocava forró e outros ritmos populares. Isso é um problema?

A gente percebe uma padronização em relação ao sertanejo no Sul e no Sudeste. Mas no Norte do Brasil as pessoas escutam reggae. 

O sertanejo tem seu valor como música caipira, que é genial. Só que também é preciso pensar que, para a indústria, a homogeneização é boa porque é barata. A comunicação [publicidade] tem outros interesses.

A pesquisa em etnomusicologia tem se diversificado no Brasil? Quais os avanços e quais os obstáculos?

O Grupetno abriu muitas possibilidades de parceria em pesquisa. Também fizemos uma linha de estudos para música rock produzida dentro do contexto social e cultural no Brasil e América Latina, com ênfase no Paraná, particularmente Curitiba [o no Grupo de Estudos UFPRock]. 

Já orientei 25 mestres e quatro doutores. Hoje tenho 13 orientandos. Quando me apresentam um projeto de pesquisa de um assunto diferente, eu não dispenso só por isso. Pergunto: “qual é a tua, do que você gosta?”. Se creio que posso colaborar, pego. E gosto que meus alunos sejam melhores do que eu. [1], [2]

[1] Texto de Camille Bropp.

[2] Publicação original: https://ciencia.ufpr.br/portal/etnomusicologia-nao-serve-apenas-a-musica-europeia-mas-contempla-a-diversidade-etnica-edwin-pitre-vasquez/.

Como citar este texto: UFPR. “Etnomusicologia não serve apenas à música europeia, contempla a diversidade étnica” Edwin Pitre-Vásquez. Texto de Camille Bropp. Saense. https://saense.com.br/2023/07/etnomusicologia-nao-serve-apenas-a-musica-europeia-contempla-a-diversidade-etnica-edwin-pitre-vasquez/. Publicado em 28 de julho (2023).

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